segunda-feira, 11 de abril de 2016

O Aprendizado da Escalada pode ser com uma Googlada?

Evandro Adriano Duarte[1]

Trocando uma ideia com colegas esse fim de semana, fiquei preocupado com a qualidade da escalada em nossas paredes, e observando as conversas em listas de discussões na internet, ou grupos nas redes sociais não pude deixar de notar o grande crescimento dos praticantes, que desta vez não parece ser sazonal,

Por exemplo, normalmente no início do ano há uma grande procura pelas atividades do GEEU (Grupo de Montanhismo e Escalada Esportiva da Unicamp), que disponibiliza o muro de escalada e equipamentos para toda a comunidade interna ou externa à Unicamp para a prática da escalada. Essa procura vai diminuindo conforme os meses vão passando e os estudos sendo mais exigidos, permanecendo ativos somente aqueles que realmente se identificam com a escalada e os mais “veteranos” do grupo.

Esse envolvimento com a escalada é tão intenso que muitos colegas partem para a escalada em rocha, escalando predominantemente na Pedreira do Jd. Garcia, que hoje é praticamente um grande ginásio de escalada a céu aberto dentro da cidade de Campinas/SP.

Meus alunos em prática - Pedra do Pântano - Andradas/MG

A Pedreira do Jd. Garcia é um excelente local para a prática da escalada e conta com diversas vias de escaladas, com os mais variados graus de dificuldades e, por esse motivo, é frequentada por escaladores de toda a região e também de outras cidades mais distantes, como São Paulo. Além da escalada, na pedreira é possível caminhar, correr, pedalar, jogar bola e até praticar o aeromodelismo!


Entretanto, alguns grupos como o GEEU não oferecem um curso de escalada. Os participantes vão aprendendo alguns procedimentos de segurança com o tempo, sendo instruídos por membros mais antigos do grupo, conforme é estabelecido em seu estatuto. E, esses procedimentos são os necessários para o desenvolvimento das atividades no muro de escalada, que possui somente vias de escaladas em top rope e boulder.

Não são apenas membros de clubes que estão partindo para a rocha, mas também muitas outras pessoas estão entrando no mundo da escalada através de amigos, colegas, passeios, ou mesmo por conta própria. Pode ser que estamos vivenciando um novo “boom” da escalada no país, com direito a inserções na mídia televisiva de massa.

É aqui que surgem algumas observações que devem ser analisadas com cuidado. Como disse acima, há um fluxo de escaladores que estão passando a escalar em rocha com mais frequência e, apesar de vermos uma melhora nos números apontados pelo Censo de Escalada realizado em 2015 por Victor Carvalho (http://www.victorcarvalho.net/2015/04/resultado-do-censo-brasileiro-de.html) em comparação com os dados levantados pela pesquisa efetuada por Davi Marski (http://www.marski.org/component/content/article/6-diversos-geral/210-pesquisa2009) em 2009, hoje há uma proporção de 54,4% de pessoas que dizem fazer parte de clubes (na pesquisa realizada por Marski eram 51%), surge a preocupação quanto à formação destes indivíduos para a prática do montanhismo, uma vez que os dados coletados por Victor ainda apontam que 27,6% dos escaladores não fizeram nenhum curso de escalada.

Meu aluno em Prática - Pedra do Pântano - Andradas/MG

Essa preocupação já foi apontada em outra pesquisa realizada em 1998:
“Os resultados dessa pesquisa mostram claramente que a maioria dos escaladores teve seu aprendizado através de amigos, sem estar conscientemente preocupada com a qualidade do ensino. A falta de uma referência de qualidade é um fator que permite a propagação desse tipo de situação. É muito comum de se ver pessoas com menos de dois anos de experiência assumindo por conta própria o papel de instrutores, mesmo não tendo as mínimas condições para isso.” (Sá, 1998)

Há de se considerar que não há uma regulamentação desta atividade esportiva em nosso país, como ocorre com o mergulho livre ou paraquedismo, mas sim, cursos que são oferecidos por clubes, empresas, ou mesmo pessoas particulares, mas que devem seguir as normativas e recomendações técnicas instituídas pela União Internacional das Associações de Alpinismo (UIAA), órgão máxima que regulamenta as atividades de montanhismo e escalada, homologando técnicas e equipamentos para essas atividades.

Com o crescimento das tecnologias da informação a preocupação aumenta, pois, há uma infinidade de textos, imagens, vídeos e discussões sobre técnicas e procedimentos para a escalada, que tem como intuito ensinar às pessoas como se escala, ou como se faz determinado procedimento. Isso não é de todo o mal, pois muitas coisas podem ser aprendidas pela internet, ou em livros, como era antes da internet. Eu mesmo aprendi muito lendo livros e artigos na internet.

Podemos aprender as técnicas de mergulho em um site de busca na internet, mas estaremos aprendendo de forma adequada? Estaremos aprendendo todos os conceitos? Aprenderemos na internet como fazer um salto de paraquedas? O tempo certo para abrir o paraquedas? Aprenderemos os conceitos que envolvem uma escalada de “paredes”?

Evidente que não conseguiremos assimilar todas essas informações se não tivermos uma boa formação básica antes, ou seja, sem que antes tenhamos feito um curso básico nos moldes apregoados por instituições que representam a atividade em nosso país como a FEMERJ e FEMESP (Rio de Janeiro e São Paulo respectivamente), instituições estas que seguem as normas testadas e aprovadas pela UIAA.


Aula de Autoresgate - Pedreira Garcia - Campinas/SP
No entanto, vemos muitos praticantes que ignoram o fato de haver peculiaridades dentro destas atividades que só podem ser transmitidas por pessoas com grande experiência e conhecimento suficiente nas mais variadas técnicas empregadas no montanhismo e escalada. O resultado disso pode ser visto nos relatos de acidentes e/ou quase acidentes que ocorrem durante a prática do montanhismo ou escalada.

Tomo a liberdade aqui de transcrever alguns  relatos disponíveis no Relatório de Acidentes em Esporte de Montanha do site da Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada (CBME). Em negrito aparece o que ocorreu, o local e o ano da ocorrência, seguido da descrição e análise da ocorrência:


DESCENDO, SEGURANÇA INADEQUADA, CORDA ROMPEU, QUEDA
PE, IPOJUCA - 1997

Descrição

Dia 02 de Fevereiro de 1997. A subiu pela trilha e montou um top rope. Para evitar que a corda ficasse raspando na rocha, A decidiu fazer uma equalização com corda. Colocou o mosquetão, mas na hora de colocar a corda no mosquetão pra começarmos a utilizar o top rope, A jogou a corda por cima da corda que fazia a equalização, ou seja, o mosquetão não serviu de nada. A corda da equalização estava fazendo o papel do mosquetão (corda sobre corda). A desceu correndo e foi o primeiro a subir, na hora de descer a corda da equalização partiu e A caiu 4 metros. Não se machucou porque ainda estava baixo.
(Fonte: Guilherme Veiga)

Análise

Montar um Top-Rope é um ato de extrema responsabilidade. Por isso é necessário que o escalador seja experiente o suficiente para fazer essa montagem com competência e segurança. Nesse caso, provavelmente o escalador sabia que deveria ter passado a corda dentro do mosquetão de segurança, mas deve ter se "desligado" e acabou cometendo um enorme erro de colocar a corda (que iria ficar "correndo") passando em cima de uma outra, causando um atrito que queimou a corda. JAMAIS devemos deixar uma corda ou fita correr por cima de outra corda ou até mesmo na pedra. Sempre devemos utilizar fitas para evitar o atrito. Um erro assim feito em um top-Rope ainda tem o agravante de que, já que os escaladores estão com a corda de cima, se arriscam e relaxam mais.

HABILIDADES EXCEDIDAS, FALTA DE ATENÇÃO
PE, RECIFE, MURO DE ESCALADA - 1998

Descrição

Dia 09 de Abril de 1998. Comecei a escalar o muro e A fazia minha segurança.
Quando completei a via coloquei o meu corpo para trás e escutei um grito. A não tinha passado a fita da cadeirinha pela fivela, apenas tinha fechado o velcro e a cadeirinha abriu. Sorte que havia pessoas em volta que ajudaram para que não acontecesse algo pior.
(Fonte: Guilherme Veiga)

Comentário

Checar sempre o equipamento das pessoas que irão escalar.(grifos do autor)

Análise

Ambientes cheios, como por exemplo os ginásios de escalada, propiciam uma maior falta de atenção dos escaladores. Muita gente conversando e trocando a segurança diversas vezes aumentam a possibilidade de um acidente. Em ambientes assim, a atenção deve ser redobrada e sempre se deve prestar atenção nos procedimentos do companheiro e de quem está ao lado. De qualquer forma, os responsáveis pelo ginásio devem ter regras que impeçam que qualquer pessoa (por mais experiente que seja), faça a segurança de outro escalador. O ideal é ter em seu quadro de funcionários monitores que sejam responsáveis pela segurança de quem escala no local.

FALTA DE PLANEJAMENTO, EQUIPAMENTOS E ROUPAS INADEQUADAS, HIPOTERMIA
MG/RJ/SP, SERRA DA MANTIQUEIRA, TRAVESSIA DA SERRA FINA - 2000

Descrição

Dia 10 de Maio de 2000. Durante a travessia da Serra Fina, no primeiro dia subindo pelo morro do Capim Amarelo, eu estando menos preparado fisicamente que os meus companheiros, menosprezei a reposição de nutrientes (alimentação) e a proteção térmica (casaco que não barrava o vento efetivamente); originando um processo de hipotermia que me impossibilitou de prosseguir, tendo queda na pressão arterial e cãibras.
Estávamos em um ritmo de caminhada bem elevado. Se eu fosse fazer esta
caminhada novamente tomaria o cuidado de iniciá-la pela manhã para não pegar o fim da tarde na trilha e para ter mais tempo para admirar a paisagem. Na ocasião do meu acidente nós saímos para a trilha às 15:00 horas, creio eu que o ideal seria sairmos às 8:00 ou 9:00 da manhã e assim evitarmos a queda de temperatura que nessa época do ano começa lá pelas 16:00 horas.

Comentário

Melhor preparo físico visando obtenção de resistência aeróbica, equipamentos
melhores e alimentação correta durante a atividade.

Análise

Planejamento é fundamental para todas as atividades. Ao fazer uma caminhada, principalmente uma travessia de mais de 2 dias, é muito importante que se leve comida, água (se não existir na trilha) e roupas suficientes. A desidratação e a falta de alimentação podem causar uma série de complicações, resultando em eventos indesejados. Muitas pessoas não dão a devida importância a bons equipamentos (incluindo roupas). Compram algo mais barato, mas que não atende às necessidades.

FALTA DE ATENÇÃO
RJ, RIO DE JANEIRO, PICO DA TIJUCA - 2000

Descrição

Terminamos a escalada. O participante chegou na parada e antes de se prender à mesma, ele se desencordou ficando totalmente solto. Abracei-o e "sugeri" que ele se prendesse. Caso eu não visse e ele jogasse o peso na "solteira", ele iria cair 60 metros até o chão.
(Fonte: Bernardo Collares)

Comentário

É necessário sempre estarmos atentos a todos os procedimentos. Esse quase acidente ocorreu por total falta de atenção.

Análise

A falta de atenção quase provocou um sério acidente nessa escalada. Com o passar do tempo vamos adquirindo uma maior experiência e "automatizando" nossos procedimentos. Se por um lado isso é bom, pois criamos um certo protocolo pessoal, por outro, pode dar margem a um erro, já que estamos confiando nesse protocolo "automático". Um boa dica para reduzir esse tipo de risco é um parceiro "vigiar" o outro o tempo todo durante uma escalada, sem ter acanhamento de chamar a atenção e/ou dar conselhos pertinentes à segurança. (Grifos do autor)

(Fonte: Relatório de Acidentes de Montanha – 2003, http://www.cbme.org.br/seguranca/relatorios.html)

Apesar de não estarem disponíveis mais relatos no site, uma rápida corrida pela lista de acidentes/incidentes, mostra que vem ocorrendo acidentes em nossas montanhas, e com base nos exemplos acima, percebeu que muitos destes eventos, como outros relatados no Relatório, poderiam ter sido evitados se houvesse mais experiência e, em alguns casos, só não foi fatal por conta de escaladores mais experientes presentes.

Observamos num dos relatos, que mesmo em ambientes de academias, considerados “controlados”, os riscos de ocorrer um acidente é grande. Eu mesmo consegui intervir em um “quase” acidente no muro do GEEU uma vez, só não se efetivou porque o escalador não caiu e eu estava do lado da pessoa que fazia a segurança e vi que corda não havia sido passada pelo freio, somente pelo o mosquetão.

Se em ambientes de academias temos os riscos de acidentes, imagine no ambiente natural, onde diversas variáveis não são controladas. Para essa situação a única forma de prevenir acidentes é estar bem preparado.

A pesquisa realizada em 1998 mostra que 58,5% dos escaladores aprenderam a escalar com amigos ou com instrutores particulares, que, salvo raras exceções, oferecem ensino sem a menor garantia de qualidade. (Sá, 1998). Podemos extrapolar o cenário de 1998 para o presente, pois ainda vemos cursos sendo oferecidos sem a menor preocupação com conceitos básicos. Na ocasião da pesquisa de 1998, foi constatado que quase 70% (Sá, 1998) dos alunos não eram instruídos a usar o capacete, este que é um item de segurança fundamental na pratica da escalada.

Como vimos neste artigo, o melhor caminho (inclusive indicado pelos clubes e confederações), é procurar um bom curso de escalada para ser devidamente introduzido no esporte, para que possa praticar o montanhismo e a escalada de forma correta e, consequentemente, seguro.

Assim, sugere-se a busca de informações sobre as opções de cursos oferecidos e, quando ofertados por instrutores particulares, buscar referência do curso oferecido junto a pessoas que já fizeram o curso com estes, ou ainda sobre sua experiência na escalada, ou ainda em clubes da região, pois normalmente as pessoas mais antigas dos grupos podem dar essas informações. Após um bom curso de escalada, o agora escalador poderá aprofundar seus conhecimentos com artigos, livros e vídeos, pois com a base formada, fica bem mais fácil a assimilação de novos conceitos e técnicas.

Bibliografia:


CBME – Relatório de Acidentes de Montanha – 2003. Disponível em: http://www.cbme.org.br/seguranca/relatorios.html. Visualizado em 11/04/2016.


SÁ, Marcelo. Resultado do Censo 98 de Praticantes de Montanhismo e Escalada Indoor – 1998.  Disponível em: http://www.mundovertical.com/utilidades/censo98.htm. Visualizado em 27/04/2010.




[1] Evandro A. Duarte é montanhista desde 1997, tem 38 anos,  escalou em vários locais do Brasil e em 15 anos como instrutor de Montanhismo já ministrou dezenas de Cursos de Escalada através de sua empresa Consultores de Aventuras - Montanhismo e Turismo de Aventura (www.consultoresdeaventuras.com.br).