Evandro Adriano
Duarte[1]
Trocando uma ideia com colegas esse fim de semana, fiquei preocupado com
a qualidade da escalada em nossas paredes, e observando as conversas em listas de discussões na internet, ou grupos
nas redes sociais não pude deixar de notar o grande crescimento dos
praticantes, que desta vez não parece ser sazonal,
Por exemplo,
normalmente no início do ano há uma grande procura pelas atividades do GEEU
(Grupo de Montanhismo e Escalada Esportiva da Unicamp), que disponibiliza o
muro de escalada e equipamentos para toda a comunidade interna ou externa à
Unicamp para a prática da escalada. Essa procura vai diminuindo conforme os
meses vão passando e os estudos sendo mais exigidos, permanecendo ativos
somente aqueles que realmente se identificam com a escalada e os mais
“veteranos” do grupo.
Esse envolvimento com
a escalada é tão intenso que muitos colegas partem para a escalada em rocha,
escalando predominantemente na Pedreira do Jd. Garcia, que hoje é praticamente
um grande ginásio de escalada a céu aberto dentro da cidade de Campinas/SP.
Entretanto, alguns
grupos como o GEEU não oferecem um curso de escalada. Os participantes vão
aprendendo alguns procedimentos de segurança com o tempo, sendo instruídos por
membros mais antigos do grupo, conforme é estabelecido em seu estatuto. E,
esses procedimentos são os necessários para o desenvolvimento das atividades no
muro de escalada, que possui somente vias de escaladas em top rope e boulder.
Não são apenas
membros de clubes que estão partindo para a rocha, mas também muitas outras
pessoas estão entrando no mundo da escalada através de amigos, colegas,
passeios, ou mesmo por conta própria. Pode ser que estamos vivenciando um novo “boom”
da escalada no país, com direito a inserções na mídia televisiva de massa.
É aqui que surgem
algumas observações que devem ser analisadas com cuidado. Como disse acima, há
um fluxo de escaladores que estão passando a escalar em rocha com mais
frequência e, apesar de vermos uma melhora nos números apontados pelo Censo de
Escalada realizado em 2015 por Victor Carvalho (http://www.victorcarvalho.net/2015/04/resultado-do-censo-brasileiro-de.html) em comparação com
os dados levantados pela pesquisa efetuada por Davi Marski (http://www.marski.org/component/content/article/6-diversos-geral/210-pesquisa2009) em 2009, hoje há
uma proporção de 54,4% de pessoas que dizem fazer parte de clubes (na pesquisa
realizada por Marski eram 51%), surge a preocupação quanto à formação destes
indivíduos para a prática do montanhismo, uma vez que os dados coletados por
Victor ainda apontam que 27,6% dos escaladores não fizeram nenhum curso de escalada.
Essa preocupação já
foi apontada em outra pesquisa realizada em 1998:
“Os resultados dessa
pesquisa mostram claramente que a maioria dos escaladores teve seu aprendizado
através de amigos, sem estar conscientemente preocupada com a qualidade do ensino.
A falta de uma referência de qualidade é um fator que permite a propagação
desse tipo de situação. É muito comum de se ver pessoas com menos de dois anos
de experiência assumindo por conta própria o papel de instrutores, mesmo não
tendo as mínimas condições para isso.” (Sá, 1998)
Há de se considerar
que não há uma regulamentação desta atividade esportiva em nosso país, como
ocorre com o mergulho livre ou paraquedismo, mas sim, cursos que são oferecidos
por clubes, empresas, ou mesmo pessoas particulares, mas que devem seguir as
normativas e recomendações técnicas instituídas pela União Internacional das
Associações de Alpinismo (UIAA), órgão máxima que regulamenta as atividades de
montanhismo e escalada, homologando técnicas e equipamentos para essas
atividades.
Com o crescimento das
tecnologias da informação a preocupação aumenta, pois, há uma infinidade de
textos, imagens, vídeos e discussões sobre técnicas e procedimentos para a
escalada, que tem como intuito ensinar às pessoas como se escala, ou como se
faz determinado procedimento. Isso não é de todo o mal, pois muitas coisas
podem ser aprendidas pela internet, ou em livros, como era antes da internet.
Eu mesmo aprendi muito lendo livros e artigos na internet.
Podemos aprender as
técnicas de mergulho em um site de busca na internet, mas estaremos aprendendo
de forma adequada? Estaremos aprendendo todos os conceitos? Aprenderemos na
internet como fazer um salto de paraquedas? O tempo certo para abrir o
paraquedas? Aprenderemos os conceitos que envolvem uma escalada de “paredes”?
Evidente que não
conseguiremos assimilar todas essas informações se não tivermos uma boa
formação básica antes, ou seja, sem que antes tenhamos feito um curso básico
nos moldes apregoados por instituições que representam a atividade em nosso
país como a FEMERJ e FEMESP (Rio de Janeiro e São Paulo respectivamente),
instituições estas que seguem as normas testadas e aprovadas pela UIAA.
Aula de Autoresgate - Pedreira Garcia - Campinas/SP |
No entanto, vemos
muitos praticantes que ignoram o fato de haver peculiaridades dentro destas atividades
que só podem ser transmitidas por pessoas com grande experiência e conhecimento
suficiente nas mais variadas técnicas empregadas no montanhismo e escalada. O
resultado disso pode ser visto nos relatos de acidentes e/ou quase acidentes
que ocorrem durante a prática do montanhismo ou escalada.
Tomo a liberdade aqui
de transcrever alguns relatos disponíveis no Relatório de Acidentes em
Esporte de Montanha do site da Confederação Brasileira de Montanhismo e
Escalada (CBME). Em negrito aparece o que ocorreu, o local e o ano da
ocorrência, seguido da descrição e análise da ocorrência:
DESCENDO, SEGURANÇA INADEQUADA, CORDA ROMPEU, QUEDA
PE, IPOJUCA - 1997
Descrição
Dia 02 de Fevereiro de 1997. A subiu pela trilha e montou um top
rope. Para evitar que a corda ficasse raspando na rocha, A decidiu fazer
uma equalização com corda. Colocou o mosquetão, mas na hora de colocar a corda
no mosquetão pra começarmos a utilizar o top rope, A jogou a corda por
cima da corda que fazia a equalização, ou seja, o mosquetão não serviu de nada.
A corda da equalização estava fazendo o papel do mosquetão (corda sobre corda).
A desceu correndo e foi o primeiro a subir, na hora de descer a corda da
equalização partiu e A caiu 4 metros. Não se machucou porque ainda
estava baixo.
(Fonte: Guilherme Veiga)
Análise
Montar um Top-Rope é um ato de extrema responsabilidade. Por isso é
necessário que o escalador seja experiente o suficiente para fazer essa
montagem com competência e segurança. Nesse caso, provavelmente o escalador
sabia que deveria ter passado a corda dentro do mosquetão de segurança, mas
deve ter se "desligado" e acabou cometendo um enorme erro de colocar
a corda (que iria ficar "correndo") passando em cima de uma outra,
causando um atrito que queimou a corda. JAMAIS devemos deixar uma corda
ou fita correr por cima de outra corda ou até mesmo na pedra. Sempre devemos
utilizar fitas para evitar o atrito. Um erro assim feito em um top-Rope ainda
tem o agravante de que, já que os escaladores estão com a corda de cima, se
arriscam e relaxam mais.
HABILIDADES EXCEDIDAS, FALTA DE ATENÇÃO
PE, RECIFE, MURO DE ESCALADA - 1998
Descrição
Dia 09 de Abril de 1998. Comecei a escalar o muro e A fazia minha
segurança.
Quando completei a via coloquei o meu corpo para trás e escutei um
grito. A não tinha passado a fita da cadeirinha pela fivela, apenas
tinha fechado o velcro e a cadeirinha abriu. Sorte que havia pessoas em volta
que ajudaram para que não acontecesse algo pior.
(Fonte: Guilherme Veiga)
Comentário
Checar sempre o equipamento das pessoas que irão
escalar.(grifos do autor)
Análise
Ambientes cheios, como por exemplo os ginásios de escalada, propiciam
uma maior falta de atenção dos escaladores. Muita gente conversando e trocando
a segurança diversas vezes aumentam a possibilidade de um acidente. Em ambientes
assim, a atenção deve ser redobrada e sempre se deve prestar atenção nos
procedimentos do companheiro e de quem está ao lado. De qualquer forma, os
responsáveis pelo ginásio devem ter regras que impeçam que qualquer pessoa (por
mais experiente que seja), faça a segurança de outro escalador. O ideal é ter
em seu quadro de funcionários monitores que sejam responsáveis pela segurança
de quem escala no local.
FALTA DE PLANEJAMENTO, EQUIPAMENTOS E ROUPAS INADEQUADAS, HIPOTERMIA
MG/RJ/SP, SERRA DA MANTIQUEIRA, TRAVESSIA DA SERRA
FINA - 2000
Descrição
Dia 10 de Maio de 2000. Durante a travessia da Serra Fina, no primeiro
dia subindo pelo morro do Capim Amarelo, eu estando menos preparado fisicamente
que os meus companheiros, menosprezei a reposição de nutrientes (alimentação) e
a proteção térmica (casaco que não barrava o vento efetivamente); originando um
processo de hipotermia que me impossibilitou de prosseguir, tendo queda na
pressão arterial e cãibras.
Estávamos em um ritmo de caminhada bem elevado. Se eu fosse fazer esta
caminhada novamente tomaria o cuidado de iniciá-la pela manhã para não
pegar o fim da tarde na trilha e para ter mais tempo para admirar a paisagem.
Na ocasião do meu acidente nós saímos para a trilha às 15:00 horas, creio eu
que o ideal seria sairmos às 8:00 ou 9:00 da manhã e assim evitarmos a queda de
temperatura que nessa época do ano começa lá pelas 16:00 horas.
Comentário
Melhor preparo físico visando obtenção de resistência aeróbica,
equipamentos
melhores e alimentação correta durante a atividade.
Análise
Planejamento é fundamental para todas as atividades. Ao fazer uma
caminhada, principalmente uma travessia de mais de 2 dias, é muito importante
que se leve comida, água (se não existir na trilha) e roupas suficientes. A
desidratação e a falta de alimentação podem causar uma série de complicações,
resultando em eventos indesejados. Muitas pessoas não dão a devida importância
a bons equipamentos (incluindo roupas). Compram algo mais barato, mas que não
atende às necessidades.
FALTA DE ATENÇÃO
RJ, RIO DE JANEIRO, PICO DA TIJUCA - 2000
Descrição
Terminamos a escalada. O participante chegou na parada e antes de se
prender à mesma, ele se desencordou ficando totalmente solto. Abracei-o e
"sugeri" que ele se prendesse. Caso eu não visse e ele jogasse o peso
na "solteira", ele iria cair 60 metros até o chão.
(Fonte: Bernardo Collares)
Comentário
É necessário sempre estarmos atentos a todos os procedimentos. Esse
quase acidente ocorreu por total falta de atenção.
Análise
A falta de atenção quase provocou um sério acidente nessa escalada. Com
o passar do tempo vamos adquirindo uma maior experiência e
"automatizando" nossos procedimentos. Se por um lado isso é bom, pois
criamos um certo protocolo pessoal, por outro, pode dar margem a um erro, já
que estamos confiando nesse protocolo "automático". Um boa dica
para reduzir esse tipo de risco é um parceiro "vigiar" o outro o
tempo todo durante uma escalada, sem ter acanhamento de chamar a atenção
e/ou dar conselhos pertinentes à segurança. (Grifos do autor)
(Fonte: Relatório de Acidentes de Montanha – 2003, http://www.cbme.org.br/seguranca/relatorios.html)
Apesar de não estarem disponíveis mais relatos no site, uma rápida
corrida pela lista de acidentes/incidentes, mostra que vem ocorrendo acidentes
em nossas montanhas, e com base nos exemplos acima, percebeu que muitos destes
eventos, como outros relatados no Relatório, poderiam ter sido evitados
se houvesse mais experiência e, em alguns casos, só não foi fatal por conta de
escaladores mais experientes presentes.
Observamos num dos relatos, que mesmo em ambientes de academias,
considerados “controlados”, os riscos de ocorrer um acidente é grande. Eu mesmo
consegui intervir em um “quase” acidente no muro do GEEU uma vez, só não se
efetivou porque o escalador não caiu e eu estava do lado da pessoa que fazia a
segurança e vi que corda não havia sido passada pelo freio, somente pelo o
mosquetão.
Se em ambientes de academias temos os riscos de acidentes, imagine no
ambiente natural, onde diversas variáveis não são controladas. Para essa
situação a única forma de prevenir acidentes é estar bem preparado.
A pesquisa realizada em 1998 mostra que 58,5% dos escaladores
aprenderam a escalar com amigos ou com instrutores particulares, que, salvo
raras exceções, oferecem ensino sem a menor garantia de qualidade. (Sá,
1998). Podemos extrapolar o cenário de 1998 para o presente, pois ainda vemos
cursos sendo oferecidos sem a menor preocupação com conceitos básicos. Na
ocasião da pesquisa de 1998, foi constatado que quase 70% (Sá, 1998) dos alunos
não eram instruídos a usar o capacete, este que é um item de segurança fundamental
na pratica da escalada.
Como vimos neste artigo, o melhor caminho (inclusive indicado pelos
clubes e confederações), é procurar um bom curso de escalada para ser
devidamente introduzido no esporte, para que possa praticar o montanhismo e a
escalada de forma correta e, consequentemente, seguro.
Assim, sugere-se a busca de informações sobre as opções de cursos
oferecidos e, quando ofertados por instrutores particulares, buscar referência
do curso oferecido junto a pessoas que já fizeram o curso com estes, ou ainda
sobre sua experiência na escalada, ou ainda em clubes da região, pois
normalmente as pessoas mais antigas dos grupos podem dar essas informações.
Após um bom curso de escalada, o agora escalador poderá aprofundar seus
conhecimentos com artigos, livros e vídeos, pois com a base formada, fica bem
mais fácil a assimilação de novos conceitos e técnicas.
Bibliografia:
CARVALHO, Victor - Pesquisa do Perfil do Escalador Brasileiro - 2015. Disponível em: http://www.victorcarvalho.net/2015/04/resultado-do-censo-brasileiro-de.html. visualizado em 11/04/2016.
CBME – Relatório de
Acidentes de Montanha – 2003. Disponível em: http://www.cbme.org.br/seguranca/relatorios.html. Visualizado em
11/04/2016.
MARSKI, Davi - Pesquisa do Perfil do Escalador Brasileiro - 2009.Disponível em: http://www.marski.org/downloadsinterno/doc_download/86-pesquisa-do-perfil-do-escalador-brasileiro-2009. Visualizado em
27/04/2010.
SÁ, Marcelo.
Resultado do Censo 98 de Praticantes de Montanhismo e Escalada Indoor – 1998.
Disponível em: http://www.mundovertical.com/utilidades/censo98.htm. Visualizado em
27/04/2010.
[1]
Evandro
A. Duarte é montanhista desde 1997,
tem 38 anos, escalou em vários locais do Brasil e em 15 anos como
instrutor de Montanhismo já ministrou dezenas de Cursos de Escalada através de
sua empresa Consultores de Aventuras - Montanhismo e Turismo de Aventura
(www.consultoresdeaventuras.com.br).
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